O plenário do STF decidiu que a Administração Pública deve possibilitar a diferenciação de data, local e horário da realização de etapas de concurso público em razão de crença religiosa.
Os ministros também entenderam que o administrador público deve possibilitar critérios alternativos para que servidor em estágio probatório possa exercer suas funções em consonância com sua crença. A obrigatoriedade do Estado, no entanto, está condicionada a algumas condições, tais como razoabilidade e isonomia.
Por maioria, foram fixadas as seguintes teses:
“Nos termos do art. 5º, VIII, da CF, é possível a realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos dos previstos em edital por candidato que invoca a escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que presente a razoabilidade da alteração, a preservação da igualdade entre todos os candidatos e que não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada.”
“Nos termos do art. 5º, VIII, da CF, é possível a Administração Pública, inclusive durante estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos em face de servidores que invocam escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que presente a razoabilidade da alteração e não se caracterize o desvirtuamento no exercício de suas funções e não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada.”
Casos
No RE 611.874, a União questiona decisão do TRF da 1ª região que entendeu que um candidato adventista poderia realizar a avaliação em data, horário e local diverso do estabelecido no calendário do concurso público, desde que não houvesse mudança no cronograma do certame nem prejuízo à atividade administrativa.
O ARE 1.099.099, por sua vez, foi interposto contra decisão do TJ/SP que manteve sentença em mandado de segurança impetrado por uma professora adventista reprovada no estágio probatório por descumprir o dever de assiduidade, ao não trabalhar entre o pôr do sol de sexta-feira e o de sábado.
Corrente vencedora – Obrigatoriedade de o Estado possibilitar diferenciação, com requisitos:
A tese vencedora foi proposta pelo ministro Alexandre de Moraes. Na tarde de ontem, Alexandre de Moraes discursou a favor da liberdade religiosa: “a coerção à pessoa humana de forma a constrangê-la, total ou parcialmente, representa desrespeito à diversidade democrática de ideias”.
Pela ótica da liberdade e tolerância, Moraes ponderou que o Poder Público não está obrigado a seguir os dogmas e nem o calendário religioso, “mas o poder Público não pode fazer tábula rasa da liberdade religiosa, impedindo que todos os adeptos de uma determinada religião não possam nem ter acesso a concursos, nem possam exercer os cargos públicos”.
Para Moraes, é óbvio que o poder Público não deve consultar calendários religiosos para fixar sua rotina administrativa, “mas não seria razoável impedir que, em virtude de determinada religião, uma pessoa estivesse terminantemente impedida de pleitear acesso a determinado cargo público”.
Por fim, entendeu não há comprometimento à laicidade do Estado a diferenciação, em concurso e estágio probatório por crença religiosa. O entendimento de Moraes foi seguido pelo ministro Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Rircardo Lewandowski e, pela colegialidade, o ministro Edson Fachin.
Em voto proferido na tarde de hoje, o decano Marco Aurélio entendeu que a decisão impugnada no primeiro caso está correta – aquela que permitiu o candidato adventista realizar avaliação em data, horário e local diverso do estabelecido no calendário do concurso público. Assim, seguiu o entendimento do relator Fachin. Já no segundo caso, o ministro Marco Aurélio entendeu que a professora em estágio probatório não poderia ter faltado 90 vezes sem ter avisado à Administração Pública.
Corrente vencida – Não obrigatoriedade de o Estado possibilitar diferenciação:
O relator Dias Toffoli afirmou que o Estado assegura a liberdade dos indivíduos de crerem de que o sábado deva ser resguardado às atividades religiosas, todavia, daí não decorre o direito de exigir do Estado, ou mesmo de outros particulares, a modificação da forma de cumprimento de obrigações espontaneamente assumidas.
Assim propôs as seguintes teses:
“Não há direito subjetivo à remarcação de data e horário de diversos daqueles previamente fixados pela comissão examinadora, com base na liberdade religiosa, mas pode a Administração Pública avaliar a possibilidade de realização em dia e horário que conciliem a liberdade de crença com o interesse público.”
“Inexiste dever do administrador de: em face do direito à liberdade de crença, disponibilizar a servidor público em estágio probatório forma alternativa de cumprimento de seus deveres funcionais, sem prejuízo da possibilidade da avaliação administrativa quanto à conciliação do interesse público com o interesse ao pleito do servidor.”
O entendimento de Toffoli foi seguido pelos ministros Nunes Marques e Gilmar Mendes.
Nunes Marques salientou o alto custo imposto ao Estado para atender aos interesses de determinados grupos religiosos.
Em seu voto, Gilmar Mendes refletiu: como ficará a prestação de serviço públicos essenciais à sociedade, a exemplo da saúde, educação e da Justiça? “Aceitar que médicos e juízes, de pequenos municípios, não exerçam atividade de plantão em certos dias da semana significa privar a população de atendimento médico e de tutela jurisdicional em casos de urgência”. O decano Marco Aurélio ficou vencido quanto à tese.