Documentos apreendidos durante a Operação Omertà ligam o nome do senador Nelson Trad Filho (PSD) a indícios de suposta compra de sentença e foram colocados em ‘sigilo absoluto’ porque os implicados, tanto o senador, como um desembargador, têm prerrogativa de foro especial.
Segundo o juiz Marcelo Ivo de Oliveira, da 7ª Vara Criminal de Competência Especial de Campo Grande, cópia dos documentos já foram encaminhadas diretamente ao presidente do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), desembargador Paschoal Carmello Leandro, para conhecimento e eventuais providências, ‘inclusive eventual remessa de peças ao Superior Tribunal de Justiça e/ou Supremo Tribunal Federal’.
Conforme apurou o Jornal Midiamax, as folhas 1201 e 1202 do inquérito da Operação Omertà remetem a suposta compra de sentenças favoráveis a Nelsinho Trad em agravos a ações de improbidade administrativa com bloqueio de bens que tramitam em uma das Câmaras Cíveis do TJMS.
O documento cita o nome de um desembargador, apontado como relator nos dois casos, e contas que indicam um total de R$ 4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil reais) que supostamente deveriam ser pagos a membros da Corte pelos réus.
Visitas e relatório no quarto
Outros trechos do inquérito da operação deflagrada na última sexta-feira (27) com investigação de suposta milícia armada, com suspeita de porte ilegal de armas de fogos de uso restrito, homicídio, corrupção ativa e passiva, entre outros, registram que Nelsinho Trad teria ido à casa do empresário Jamil Name no dia 13 de junho deste ano para conversar sobre a intenção de disputar as próximas eleições ao Governo do Estado.
No quarto de um dos investigados, durante buscas autorizadas pela Justiça, foram encontrados, além de uma fita de gravação e talão de cheques, folhas de cheques e uma folha avulsa digitada. Um dos cheques e a folha são os documentos que estão sob ‘sigilo absoluto’, segundo despacho do juiz.
De acordo com o conteúdo do relatório encontrado, no primeiro recurso, o combinado seria que o relator concederia a liminar para desbloqueio de todos os bens, supostamente em troca de R$ 1 milhão, sendo R$ 200 mil para cada um dos réus da ação, que seriam Nelson Trad Filho e mais quatro pessoas.
No julgamento do mérito, seriam mais R$ 200 mil por réu, em um total de R$ 2 milhões. Teriam sido pagos R$ 200 mil em ‘diversas parcelas’, faltando ainda R$ 1,8 milhão, indicam as anotações apreendidas e encaminhadas que estão agora com o presidente do TJMS.
Ainda de acordo com as anotações, no outro recurso, teria ficado definido que seriam pagos R$ 250 mil por cada um dos cinco réus para desbloqueio de bens. O texto termina apontando que nada deste total de R$ 2,5 milhões teria sido quitado.
No documento, é apontado pelo autor das anotações ainda que um ex-secretário municipal o havia procurado em um domingo de manhã, no apartamento, em suposta conversa sobre o assunto.
Ações da coleta do lixo em Campo Grande
Conforme apurado pela reportagem, a suspeita é de que a folha relevaria que o empresário estaria guardando a conta sobre o pagamento, como uma forma de se lembrar dos valores. E uma das hipóteses é de que, além de intermediar, o montante teria possivelmente sido emprestado ao Senador para os pagamentos.
Tanto que a soma da última sentença é apontada em equívoco de digitação como em um total de R$ 2.050.000,00 (dois milhões e cinquenta mil reais) quando, na verdade, se cada réu pagasse R$ 250 mil na liminar e também para a resolução do mérito, o total seria de R$ 2,5 milhões (dois milhões e quinhentos mil reais).
Os recursos de improbidade com pedido de desbloqueio de bens sob a relatoria do desembargador no Tribunal são as que tratam da concessão do serviço de coleta de lixo em Campo Grande. Em nenhuma delas houve desbloqueio de bens em liminar, mas o desembargador acatou a tramitação dos recursos, que ainda estão sem julgamento.
As ações foram apresentadas pelo MPMS (Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul) e representam um total de mais de R$ 114 milhões em indisponibilidade de bens entre os réus.
‘Sigilo absoluto’
Ao determinar a quebra do sigilo dos autos, juiz da 7ª Vara Criminal de Competência Criminal disse atender a Súmula Vinculante 14, do Supremo Tribunal Federal que determina que, inexistindo motivo que determine a manutenção do sigilo do procedimento, deve ser deferido o requerimento para a retirada do segredo da investigação.
No entanto, dois documentos permaneceram sigilosos. “Outrossim, considerando que os documentos de fls. 1201/1202 foram objeto de busca e apreensão realizada nesta data e, embora noticie a ocorrência de um outro crime que, aparentemente, não está intimamente ligado aos crimes noticiados nesta representação e envolve pessoas que possuem o foro especial por prerrogativa de função, determino que tais documentos permaneçam em sigilo absoluto”, despachou.
No pedido do MPMS para que o sigilo fosse afastado, há solicitação assinada pelos promotores Tiago Di Giulio Freire, Gerson Eduardo de Araújo, Thalys Franklyn de Souza e pela coordenadora do Gaeco, Cristiane Mourão Leal Santos, para que sejam encaminhadas à Presidência do Tribunal de Justiça cópia do documento e do cheque encontrados juntos dentro de um criado-mudo no quarto de Jamil Name “para conhecimento e eventuais providências”.
Em decisão sobre manter esta documentação sob sigilo, o juiz Marcelo Ivo de Oliveira determinou que todo o auto circunstanciado de busca e apreensão na casa de Jamil e os documentos fossem encaminhados ao Tribunal para conhecimento e eventuais providências, “inclusive eventual remessa de peças ao Superior Tribunal de Justiça e/ou ao Supremo Tribunal Federal”.
A reportagem acionou a Corregedoria do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e o Senador Nelson Trad Filho para comentarem as suspeitas levantadas pelos indícios, e aguarda posicionamento de ambos.