Após 10 anos, mulher ganha direito de ter sobrenome de 2 mães já falecidas: ‘Ninguém vai apagar minha história’

“Mãe Nena e mãe Fausta”. Desde pequena, é assim que Lucyana Gutierrez, atualmente com 44 anos, aprendeu a reconhecer as pessoas que lhe deram amor e carinho. Criada com as mães adotivas desde os 8 meses, ela sentiu a indiferença anos depois, com a morte delas. Doente e com tamanha tristeza, teve ajuda de uma advogada e, 10 anos após o processo, ganhou na Justiça o direito de ter o sobrenome de ambas nos documentos. O julgamento ocorreu na manhã desta terça-feira (13), no Tribunal de Justiça, em Campo Grande.

“Esse dia para mim é de renascimento. Faz 10 anos que estou tentando ter o reconhecimento da minha filiação e agora estou muito feliz. Não somos filhos de criação, mas, sim filhos socioafetivos. Nós recebemos amor e carinho. Eu tive tudo isto e depois fui rejeitada pelo homem que chamava de pai, a dor é muito grande. Ele sabia de tudo, viveu parte disto comigo e depois parece que tentou apagar a minha história”, afirmou ao G1 Lucyana, atualmente aposentada.

Julgamento foi favorável a mulher que pediu reconhecimento de duas mães adotivas em MS — Foto: Graziela Rezende/G1 MS

Julgamento foi favorável a mulher que pediu reconhecimento de duas mães adotivas em MS — Foto: Graziela Rezende/G1 MS

Segundo Lucyana, a mãe Petrona Alzemira Gutierrez, conhecida como Nena, faleceu há 27 anos. A outra, Fausta Ferreira da Cunha, há 10 anos. “Elas viviam juntas, tinham uma relação. Mas, naquela época, era algo muito discreto. Só que elas tinham uma distribuidora de bebidas, fazenda e outros negócios, tudo juntas. Até mesmo por medo do preconceito, a mãe Fausta casou anos depois com um peão da fazenda, porque ela ainda tinha o sonho de vestir de noiva, mesmo com quase 50 anos”, relembrou.

Mesmo casada, Lucyana conta que as mães continuaram juntas. “Nossa família não mudou muita coisa. Houve algumas brigas e polêmicas, mas, elas sempre se gostaram e todo mundo sabia disto. Com o tempo, aprendi a chamar o marido dela de pai. Depois da morte da mãe Fausta, fui humilhada e fiquei sem nada, prejudicando até a minha saúde. Hoje, graças a Deus, uma vitória no julgamento em 2ª instância”, disse.

Aos 5 anos, Lucyana conta que a família vendeu a distribuidora no Mato Grosso e eles vieram para a capital sul-mato-grossense. “Em 1974 elas me adotaram e, após um tempo lá, viemos para Campo Grande. Aqui no estado elas adquiriram a fazenda e o peão começou a trabalhar lá, quando casou com a mais nova delas”, explicou.

Advogada comentando sobre vitória de mulher que pediu para ter 2 nomes de mães no documento — Foto: Graziela Rezende/G1 MS

Advogada comentando sobre vitória de mulher que pediu para ter 2 nomes de mães no documento — Foto: Graziela Rezende/G1 MS

A advogada Dagma Paulina dos Reis conhecia a família e acompanhou todo o processo. “Vim para Campo Grande como gerente de banco e me tornei muito amiga da sobrinha das mães. Conhecia toda a história delas e, desde o início, já comentaram sobre o relacionamento das mulheres, em perfeita harmonia. Posso dizer que esta criança foi preparada para elas, criaram com muito amor e carinho. Quando a Lucyana teve uma filha, a chamavam de neta e a levavam para escola”, ressaltou.

De acordo com Paulina, a ação ocorreu em segredo de justiça, por parte do peão que casou com uma delas. “Eu acredito que ela foi seduzida por este peão, já que ele tinha interesse na fazenda, tanto que conseguiu o direito depois de casado legitimamente. Durante o processo, ele demonstrou péssima índole, inclusive mentindo para a juíza e ocultando toda a verdade. Esta menina foi criada como filha, não tinha que passar por isto”, falou.

Ao analisar a constituição, na época, a advogada conta que não existia uma lei que autorizasse os nomes no documento. “Houve uma mudança incrível. O Judiciário então lutou para a pessoa ser aceita como ela é, sem preconceitos de raça ou opção sexual, aceitando a maneira de viver das pessoas. O filho de criação não existe mais e sim a relação socioafetiva. Neste caso, houve uma ganância por herança, o que levou a destruição total desta família”, lamentou.

Quando abandonada, Lucyana ficou doente e precisou ter uma perna amputada. “Ela ficou muito abalada com a rejeição, vivia triste. Fez alguns exames e um médico que eu conhecia disse que ela deveria ser internada imediatamente. Foi um processo que quase a levou a morte. Mas, tudo passou e ainda cabe recurso no STJ [Superior Tribunal de Justiça], porém, estamos confiantes”, finalizou.