Hipertensão resistente: o que fazer quando a pressão não baixa

A teimosia também pode ser um traço de algumas doenças. Uma delas é a chamada hipertensão resistente (HR), quadro marcado por uma pressão arterial acima de 140 milímetros de mercúrio (mmHg) por 90 mmHg – o popular 14 por 9 – mesmo com o uso diário de três ou quatro remédios diferentes prescritos em suas doses máximas.

O pior de tudo é que esse aperto constante nos vasos sanguíneos quase não dá sintoma e pode permanecer escondido por anos se o sujeito não vai ao médico ou não faz exames de rotina.

“Estatísticas recentes mostram que o problema afeta até 18% dos hipertensos dos Estados Unidos e 12% dos brasileiros”, conta o cardiologista Luiz Bortolotto, do Instituto do Coração (InCor), na capital paulista.

Se nada for feito, o risco de sofrer com infarto, acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência cardíaca, doença renal crônica e até morte súbita aumenta incríveis 47%.

Dados tão alarmantes motivaram a Associação Americana do Coração a produzir um extenso documento que reúne o conhecimento sobre o assunto e apresenta os melhores caminhos para enfrentar a enfermidade. Publicado no finalzinho de 2018, o artigo ainda traz um perfil dos pacientes que desenvolvem a HR com mais frequência.

“Quem tem histórico familiar, diabetes, obesidade, não pratica atividade física e consome muito sal ou álcool corre maior risco de entrar no grupo dos resistentes”, resume a médica Fernanda Colombo, diretora da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).

Outra alteração digna de nota na diretriz: o reconhecimento da apneia do sono como um importante vilão para as artérias e um dos principais fatores confundidores em matéria de hipertensão resistente.

Os danos vasculares da condição foram estabelecidos em pesquisas recentes, várias delas feitas no Brasil. Elas comprovaram que as interrupções na respiração durante a noite bagunçam pra valer a passagem de sangue pelos vasos.

Mais que isso, precisam ser tratadas quanto antes para aprimorar o descanso noturno e livrar o coração de piripaques. Aliás, antes de bater o martelo sobre a HR, é primordial avaliar se há apneia ou outras encrencas no pedaço.

O que fazer para diminuir a pressão

Se ela alta mesmo com a adoção de um esquema terapêutico turbinado, a primeira pergunta que o médico vai fazer é se o indivíduo está seguindo as orientações direitinho.

Sabe-se que até 80% dos pacientes desistem do tratamento após alguns meses.

“Muitos acham desconfortável, temem os efeitos colaterais, não têm condições financeiras de pagar ou não encontram os medicamentos na rede pública”, aponta o cardiologista Marcus Malachias, da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.

Que fique claro: a regra básica é tomar religiosamente os comprimidos todos os dias para que eles tenham o efeito desejado.

Mas a luta contra a hipertensão não se limita a frequentar a farmácia e engolir medicamentos.

Há uma série de outras mudanças de estilo de vida que são fundamentais para relaxar os tubos por onde corre o sangue.

Isso envolve caprichar nas frutas, verduras e legumes, maneirar na quantidade de sal, praticar exercícios regularmente e abandonar os vícios no cigarro e no álcool. Juntas, essas atitudes são essenciais para alcançar os níveis preconizados.

Um segundo fator que desequilibra a pressão é o uso indiscriminado de remédios sem o aval de um profissional da saúde.

Anti-inflamatórios comuns, corticoides, anticoncepcionais de alta dose hormonal, emagrecedores e descongestionantes nasais são alguns deles.

“Na dúvida, converse com o cardiologista para que ele possa delinear a melhor conduta e, conforme o caso, fazer modificações na prescrição”, sugere o médico Flávio Fuchs, professor de cardiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Em terceiro lugar, há um fenômeno relativamente comum nos consultórios conhecido como hipertensão do avental branco.

É quando o paciente fica tão nervoso diante do profissional de saúde que o coração dispara e os vasos ficam sob tensão.

Quando ele sai daquele ambiente e se acalma, os parâmetros cardiovasculares voltam a entrar nos eixos.

Ainda bem que existem maneiras de desvendar a ilusão. “Para um acompanhamento livre de interferências, o ideal é fazer o Mapa, exame em que se monitora automaticamente a pressão durante um dia inteiro”, diz o nefrologista Decio Mion Junior, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Tem uma última etapa nessa história: investigar uma série de doenças cujo efeito secundário é o aperto das artérias. “Hipotireoidismohipertireoidismo, tumores, síndromes genéticas, enfermidades nos rins e apneia do sono estão entre os problemas mais corriqueiros”, observa o médico Fernando Costa, diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Quando eles são detectados e tratados, a hipertensão tende a se resolver por tabela.

Agora, o que acontece se, mesmo analisando e corrigindo todos esses pontos, a pressão persistir lá no alto? “Pode ser necessário recorrer a uma quarta ou quinta droga ou até mesmo a algumas intervenções cirúrgicas em casos específicos”, responde o cardiologista Marcelo Sampaio, da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo. No final, quando médico e paciente se empenham, a chance de vencer a teimosia vai às alturas.

O papel do estresse na hipertensão resistente

O novo documento americano ainda mensurou o impacto do estresse no sistema cardiovascular e sugere que medidas que trazem relaxamento são uma boa pedida.

Embora as evidências não sejam 100% conclusivas, tudo leva a crer que, junto com o pacote de mudanças de estilo de vida, técnicas como meditação, atenção plena (o popular mindfulness) e ioga somam forças contra a hipertensão. “Todas as práticas que induzem a uma tranquilidade são bem-vindas”, atesta a cardiologista Fernanda Colombo.