MP denuncia juiz por ter recebido propina para liberar precatórios

A Procuradoria-Geral de Justiça do MP/MS (Ministério Público Estadual) ofereceu denúncia contra um juiz e empresários de Campo Grande. O juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior, que integrou o alto escalão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS), é suspeito de ter recebido propina para forjar valores que deveriam ser pagos por dívida pública e também para adiantar a liberação de pagamento de precatórios.

Segundo a denúncia, o juiz pode ter recebido cerca de R$ 439 mil para facilitar o pagamento de dívidas públicas. O magistrado que está no centro da denúncia foi juiz auxiliar da vice-presidente do TJ-MS entre 2012 e 2014.

A Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público Estadual aponta que em outubro de 2013, o juiz foi procurado pelo empresário José Carlos Lopes, conhecido como Zeca Lopes, do setor frigorífico.

Segundo a denúncia, o empresário oferece propina no valor de R$ 155,2 mil ao juiz para que ele autorizasse o pagamento de um precatório a empresa de Zeca Lopes, no valor de R$ 1,319 milhão.

Precatórios são créditos concedidos para quem venceu na Justiça ações contra o Poder Público e que não cabem mais recurso.

Pelo regimento do interno do TJ/MS, processos desse tipo são recebidos pela vice-presidência, que decide pelas ações.

De acordo com a denúncia da Procuradoria-Geral de Justiça, Zeca Lopes agiu com outro empresário, José Carlos Tavares Pinto, para receber essa dívida, que, na verdade não existia. Os dois teriam falsificado documentos que davam direito ao precatório.

Para o Ministério Público, o juiz teria anexado esses documentos ilegalmente ao processo. Ainda de acordo com a denúncia da procuradoria, o pagamento foi feito em parcelas para a advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva, esposa do juiz.

Transferências bancárias do frigorífico de Zeca Lopes a Emmanuelle comprovam o pagamento da vantagem indevida.

Para o advogado José Belga Trad, que defende Zeca Lopes, o precatório foi adquirido legalmente e o valor pago a esposa do juiz é referente a serviços na área trabalhista.

“Negócio jurídico de cessão de créditos de precatórios é habitual, que ocorre com muita frequência. Se o crédito já havia sido compensado pelo Estado, isso não era do conhecimento do meu cliente. Os valores que a denuncia descrevem eles foram pagos como contrapartida a prestação de serviço advocatício da advogada Emmanuelle. Serviços na área trabalhista”, alega.

Além de autorizar o pagamento de dinheiro público a quem o estado não devia, em outro caso de precatório, que realmente existia o juiz foi denunciado por facilitar e agilizar o recebimento.

O juiz Aldo teria aceitado R$ 300 mil para liberar mais de R$ 2 milhões que seriam destinados ao advogado Ildefonso Lucas Gessi.

Em agosto de 2014 o advogado já havia recebido quase todo o dinheiro previsto, quando o Ministério Público percebeu que outros 14 credores do mesmo processo, de um total de R$ 26 milhões, continuam esperando pelo pagamento.

Segundo o MP-MS, foram identificados indícios de impessoalidade na atuação do juiz, que agia em favorecimento de um amigo.

Enquanto no primeiro caso investigado o dinheiro ia para a conta da esposa do juiz, neste segundo dois homens ligados a Aldo é que fizeram o papel de receber o dinheiro, supostamente vindo de propina e depois repassá-lo ao juiz.

O denunciado Pedro André Scaff Raffi tinha uma garagem de carro e seria sócio do juiz, usando o negócio como uma forma de esconder os valores que seriam destinados a Aldo como propina.

Quem intermediava tudo, de acordo com o MP-MS, era Jesus Silva Dias. Ele já havia sido condenado por tráfico de drogas.

A investigação do Ministério Público apontou que Jesus era apresentado como braço direito do juiz Aldo na compra de veículos da garagem.

Jesus também fazia negociações e em alguns casos também era o responsável pela movimentação financeira, com objetivo de esconder o recebimento dos valores prometidos em troca da ação do magistrado.

O empresário Pedro Scaff se defende, dizendo que nunca foi sócio do juiz, e que apenas vendeu veículos para Dias. “É muito fácil perceber que eu não tinha ligações com o Aldo. Agora com o Jesus tinha, porque eu tinha todo tipo de negócio de compra de carro. Ele me comprava muitos carros com cheque pré-datado. Cheque de terceiro. E eu vendia para ele e descontava o cheque em branco. Então vinha cheque do Aldo…Um dos maiores problemas que eu tive no final, em 2015, foi que a maioria desses cheques do Jesus não pagaram. Eu nunca imaginei que um juiz de direito lá…com fazenda, com gado, tava mexendo com coisa ilícita. Não tinha como eu imaginar isso”, declarou.

Para o Ministério Público as ações do juiz são da mais alta gravidade para desviar dinheiro público e se valer da sua função.

A Procuradoria pede que seja decretada a perda do cargo de juiz para Aldo.

O Ministério Público também quer o ressarcimento do precatório de R$ 1,319 milhão, do valor referente a suposta propina e do pagamento de danos morais no valor de quase R$ 9 milhões pelas práticas ilícitas.

Os denunciados tem prazo para apresentar defesa e a Justiça vai decidir se os investigados se tornam acusados por corrupção, peculato, falsidade ideológica e ainda no caso do juiz Aldo, por supressão de documento oficial.

Posicionamentos

Sobre a denúncia contra o juiz, o TJ-MS disse que defende a apuração dos fatos com responsabilidade, mas que não se manifestará sobre o mérito por se tratar de questão que depende de julgamento. Ainda de acordo com o tribunal, o magistrado permanece afastado de suas funções por decisão do Pleno da corte em processo administrativo.

A reportagem também tentou falar com a defesa do juiz Aldo e da esposa dele, Emmanuelle, mas foi informada de que não há interesse em se manifestar no momento.

O advogado André Borges, que defende Ildefonso nesta denúncia, informou por nota que “a defesa se reserva o direito de debater o caso no processo, que é sigiloso, oportunidade em que demonstrará, sem deixar dúvida, que Ildefonso Lucas Gessi é um advogado e produtor rural honrado e que jamais se envolvem em práticas criminosas”.

O governo do estado, que sofreu o prejuízo com o pagamento do precatório no valor de mais de R$ 1 milhão, informou que a Procuradoria Geral do Estado vai apurar o valor que foi pago indevidamente e entrará com recurso para exigir o ressarcimento.