Senado americano volta nesta terça-feira com suspense sobre impeachment

Os senadores americanos voltam do recesso nesta terça-feira, sem saber quando a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, apresentará ao Senado o pedido de impeachment de Donald Trump.

O suspense em torno dessa data é inerente aos três objetivos do impeachment — são compartilhados pelos democratas e por ao menos parte dos republicanos.

O principal efeito do processo de impeachment aberto pela Câmara no dia 13 tem sido o de esfriar a retórica de Trump. Preocupado com a condenação no Senado, e também com possíveis ações na Justiça depois de deixar o cargo, Trump gravou naquela mesma noite um vídeo condenando a violência.

O discurso moderado de Trump, combinado com o esquema de segurança sem precedentes, fez com que não se materializassem as ações violentas que seus seguidores vinham planejando para o fim de semana passado em Washington e nas capitais dos 50 estados.

Até mesmo no Michigan, onde a procuradora-geral estadual, Dana Nessel, vinha alertando para as pessoas evitarem a capital, Lansing, por causa do risco de violência, as manifestações contra a posse de Joe Biden reuniram apenas 100 pessoas.

Alguns usavam fuzis semiautomáticos AR-15, mas o protesto transcorreu pacificamente.

Quanto mais se arrastar o processo no Senado, mais longo o efeito desse apaziguamento de Trump e de seus seguidores.

Um segundo objetivo do impeachment é retirar o incentivo para futuros líderes, eventualmente mais jovens e mais radicais do que Trump, de seguir sua estratégia de chantagear o Congresso e outras instituições, lançando mão de extremistas e até milícias armadas.

O terceiro é criar uma oportunidade para os republicanos distanciar-se do trumpismo e partir para uma refundação, recuperando a tradição conservadora do partido e sua histórica adesão às instituições.

Se Trump for condenado no Senado, será apresentada uma outra proposta, de torná-lo inelegível para sempre para cargos federais. Diferentemente da condenação, que requer dois terços no Senado, a inelegibilidade passa por maioria simples.

Esse seria um incentivo para os republicanos que pretendem se candidatar em 2024 — desde que não percam votos demais por causa da “traição” em condenar Trump. Além disso, a inelegibilidade enfraqueceria a projeção dele sobre o partido, abrindo espaço para outros líderes.

Dez dos 211 deputados republicanos votaram a favor do impeachment, incluindo a número 3 da liderança da bancada, Liz Cheney, filha de Dick Cheney, vice-presidente de George W. Bush entre 2001 e 2009.

Kevin McCarthy, líder da bancada, responsabilizou Trump pela invasão do Capitólio no dia 6, mas considerou que o impeachment aprofundaria a divisão do país e seria inócuo, já que o Senado não condenaria o presidente antes de ele deixar o cargo.

Os democratas terão 50 das 100 cadeiras do Senado, quando os dois vencedores do segundo turno da Geórgia tomarem posse, nos próximos dias, e mais o voto de minerva da vice-presidente Kamala Harris. A condenação exige apoio de dois terços, ou seja, a adesão de 17 republicanos.

O líder da bancada republicana no Senado, Mitch McConnell, disse a interlocutores que analisaria o pedido vindo da Câmara, para decidir se o apoiaria ou não. McConnell foi extremamente leal a Trump nos quatro anos de governo.

O desgaste entre ambos se aprofundou a partir de 22 de dezembro, quando o Congresso aprovou a ajuda de US$ 900 bilhões para pessoas e empresas afetadas pela pandemia.

Trump disse que o cheque para pessoas com renda anual abaixo de US$ 75 mil deveria ser de US$ 2 mil, em vez dos US$ 600 aprovados. O valor tinha tido a  anuência do secretário do Tesouro, Steven Mnuchin.

A crítica de Trump deixou os republicanos em situação difícil: preocupados com o endividamento público, e críticos de “excessos” de generosidade com dinheiro público, eles haviam bloqueado um valor maior, defendido pelos democratas. Isso deu argumento para os dois candidatos democratas que disputavam com os republicanos o segundo turno da Geórgia, que definiria quem controlaria o Senado.

Além do mais, com a tese da fraude na Geórgia, Trump desencorajou eleitores republicanos a votar. Os democratas arrebataram as duas vagas, ainda que por pequena margem, no estado dominado pelos republicanos havia duas décadas. A seus interlocutores, McConnell responsabilizou Trump pela perda da maioria no Senado.

A invasão do Capitólio, incitada por Trump em um comício imediatamente antes, distanciou McConnell ainda mais do presidente. Depois da retirada dos invasores, na noite do mesmo dia 6, McConnell reabriu a sessão de certificação da vitória de Biden no Colégio Eleitoral dizendo que “o Senado não se deixaria intimidar”.

McConnell estuda neste momento o que é melhor para ele e para o partido: romper com Trump, apoiando o impeachment, ou continuar vinculado ao presidente, que recebeu 74 milhões de votos, e lidera um grande número de seguidores dispostos a apoiá-lo incondicionalmente.

Pesquisa do instituto SSRS para a CNN mostrou que 54% dos americanos acham que trump deveria ser removido do cargo. Essa é a visão de 93% dos democratas, mas de apenas 10% dos republicanos.

Entre esses eleitores do partido do presidente, apenas 19% consideram que a eleição de Biden foi legítima e 75%, ilegítima.

O índice de aprovação de Trump entre eleitores republicanos caiu de um pico de 88%, em meados de agosto, para 70%, depois da invasão do Capitólio, segundo pesquisa do instituto Ipsos para a agência Reuters. Entre os americanos em geral, a aprovação é de 34%, a menor desde 2017, quando ele manifestou apoio aos supremacistas brancos que participaram de um protesto em Charlottesville.

Reportagem do jornal The New York Times concluiu, depois de ouvir mais de 40 líderes republicanos estaduais e locais, que “uma ala ruidosa do partido mantém uma devoção quase religiosa ao presidente, e que esses apoiadores não o responsabilizam” pela invasão do Capitólio.

“A oposição a ele que emerge de alguns republicanos só fortaleceu seu apoio”, acrescenta a reportagem.

Alguns juristas colocam em dúvida se um presidente pode ser condenado pelo Senado depois de deixar o cargo, o que ocorrerá na quarta-feira, com a posse de Biden, ao meio-dia, hora de Washington (14h de Brasília).

Não há precedentes, até porque nenhum presidente foi condenado na pequena lista dos que sofreram processo de impeachment em 231 anos de democracia americana.

Desde então, houve quatro aberturas de processos de impeachment contra presidentes pela Câmara dos Deputados: contra Andrew Johnson em 1868, Bill Clinton em 1998, e Trump, duas vezes, em 2019 e em 2021. Richard Nixon renunciou antes da abertura do processo, em 1974.

Entretanto, as duas únicas vezes em que Senado ratificou impeachments foram precisamente de autoridades que já haviam deixado seu cargo: William Blount, senador pelo Tennessee, em 1797, e William Belknap, secretário da Guerra, em 1876. Nada na legislação americana é simples, no que se refere a eleger e a destituir um presidente.